O gesto, mesmo falho, me gestou.

Querer uma coisa e me ver diante de outra

*Texto de Patrícia Avancci

Neste texto, compartilho um recorte íntimo do meu processo de escrita do Módulo III.

A escrita aqui apresentada foi editada apenas para fins de pontuação e fluidez, mantendo-se fiel ao conteúdo original registrado no meu caderno (foram pedaços que escolhi entre muitas páginas escritas para compor este material). São trechos que me tocaram, que me fizeram refletir, que ficaram reverberando.

A estrutura está dividida da seguinte forma:

• Primeira parte: o texto ditado, tal como surgiu espontaneamente, com sua cadência própria e ritmo de pensamento.

• Segunda parte: o mesmo texto, com pontuação organizada para facilitar a leitura e manter a integridade da fala original.

• Terceira parte: uma crônica autoral, tecida a partir desses pensamentos, reflexões das aulas e vivências experimentais.

Primeira parte

Por quantas vezes sei bem o que é isso essa coceira nas mãos é como se fosse uma inquietação uma necessidade de estar com elas ocupadas estar ocupadas por quê para quê o contato com o novo o conhecimento a imagem o material o sentimento mas estamos falando do contato físico ou mental ou ainda emocional um perigo tanta variedade corre-se o risco de perder-se vivemos hoje em um mundo onde temos tanta variedade tantas informações tudo tão rápido fico a refletir estaríamos nós talvez digo eu a perder se necessitar de opções escolhas e informações tantos caminhos possíveis que parecem um labirinto.

Quando estamos enquanto isso reflito sobre a necessidade de escolher o que deseja eu queria feijão e só tinha milho em casa pensei em plantar o milho mas algo me inquietava e eu não sabia o que era levei 3 dias para entender que era o fato de não ter o feijão pois como eu poderia colher feijão se planta se o milho então fui na loja de produtos a granel e comprei alguns poucos grãos de feijão inclusive enquanto estava lá pensei em todas as possibilidades de sementes que eu poderia escolher mas eu queria mesmo era feijão plantei em um vaso de plantas bem pequeno tomei alguns cuidados como não deixar muito encharcado de água não apertar a Terra e não deixar os grãos muito lá no fundo uma vez li que o ao Disney se trancava em uma sala escura para deixar sua criatividade aflorar e fiquei refletindo junto dessa experiência com o feijão sobre o processo de gestação gestação essa de qualquer movimento em direção à criação de algo o quão necessário se faz o desenvolvimento do ser na escuridão as sementes vegetais os bebês animais e humanos o próprio planeta Terra estar fechado hermeticamente sem que seja acessado por um período de tempo e os dias seguem com a intenção do vir a ser 7 do 4 olhei para ver como estava o vaso no mesmo lugar aparentemente sem nenhuma informação nova a expectativa do resultado do broto da materialização da ação refletido sobre a espera Esperança de que terei o feijão coloca um pouquinho de água se sem querer me pego imaginando pequenas raízes brotando daquelas pequenas sementes e outras indo em direção acima em um movimento lento e delicado volto a pensar sobre a escolha do que se deseja como colher feijões e plantar milho e de quantas vezes na vida a indecisão me impede de colher o que desejo 9 do 4 conferir se houve alguma evolução aparente no vaso e não houve continua a Terra com aparência de que nada está acontecendo e penso quanto tempo ainda penso meu deus do céu vou levar quanto tempo para fazer o relato dessa experiência então volto meus pensamentos sobre talvez já ser uma vítima do imediatismo que estamos vivendo o lavrador ou o agricultor não fala pra semente o bonita faz favor de acelerar o processo porque eu estou com pressa preciso bater meta ele espera o tempo dela que ela esteja pronta para ele se não terá um grão ou um fruto de formado enquanto ele o agricultor se prepara para quando ela estiver pronta para ele. 12 do 4 entre esses dias algumas vezes pensei na semente mas não fui olhar pois foram dias úmidos e com certeza o vaso ainda estaria úmido 13 do 4 nada aconteceu ainda então fui pesquisar na internet o tempo da brotação de grãos de feijão nas condições às quais o meu se encontrava e percebi que já tinha passado do tempo da primeira brotação resolvi olhar a semente como estava e realmente nada havia acontecido então fiquei pensando se aquelas sementes eram estéreis afinal minha experiência fracassou mas fracassou comparado a quê é tão difícil escrever sobre fracasso parece que é tão mais fácil tão mais bonito escrever sobre sucesso sobretudo que deu certo ainda que no meio do processo tenha acontecido algumas coisas que saíram de forma inesperada mas é muito melhor escrever sobre o sucesso aqui relato uma experiência de algo que não deu certo foram alguns dias de expectativa alguns dias esperando pelo por vir que não veio fico a refletir se devo repetir se devo desistir o que é mais sábio o que é mais benéfico a desistência ou a insistência por fim resolvo encerrar esse relato seguindo não refazer a experiência

Segunda parte

Primeira escrita – após ler “Fui ao Armarinho”, de Nina Veiga

Por quantas vezes... sei bem o que é isso. Essa coceira nas mãos é como se fosse uma inquietação, uma necessidade de estar com elas ocupadas.

Estar ocupadas por quê? Para quê? Pelo contato com o novo? Com o conhecimento? Com a imagem, o material, o sentimento?

Mas estamos falando do contato físico, ou mental... ou ainda emocional? Um perigo: tanta variedade. Corre-se o risco de perder-se.

Vivemos hoje em um mundo onde temos tanta variedade, tantas informações, tudo tão rápido...

Fico a refletir: estaríamos nós, talvez (digo eu), a perder-se por necessitar de opções, escolhas e informações? Tantos caminhos possíveis que parecem um labirinto.

Segunda escrita – Aula 5 do Módulo III, com a Prof. Silvane Ramos

Quando estamos enfartados da alma, não drenamos sangue quente. Estamos drenados e isquemiados. Pálidos. Anêmicos de mundo, de vida, de eu.

O movimento gestual é uma possibilidade para que nossa alma se implique — e viva a nossa vida.

Terceira escrita – Relato da experiência proposta (plantio do feijão)

04/04 – É o início. O primeiro movimento em direção ao objeto — ou seria ao objetivo?

Enquanto isso, reflito sobre a necessidade de escolher o que se deseja. Eu queria feijão, e só tinha milho em casa. Pensei em plantar o milho, mas algo me inquietava — e eu não sabia o que era.

Levei três dias para entender que era o fato de não ter o feijão. Pois como eu poderia colher feijão, se plantasse milho?

Então fui à loja de produtos a granel e comprei alguns poucos grãos de feijão. Inclusive, enquanto estava lá, pensei em todas as possibilidades de sementes que eu poderia escolher. Mas eu queria mesmo era feijão.

Plantei em um vaso de plantas bem pequeno. Tomei alguns cuidados: não deixar encharcado de água, não apertar a terra e não enterrar os grãos muito fundo.

Uma vez li que Walt Disney se trancava em uma sala escura para deixar sua criatividade aflorar. Fiquei refletindo — junto dessa experiência com o feijão — sobre o processo de gestação. Gestação essa de qualquer movimento em direção à criação de algo.

O quão necessário se faz o desenvolvimento do ser na escuridão...

As sementes vegetais, os bebês, os animais e humanos, o próprio planeta Terra... tudo está fechado hermeticamente, sem que seja acessado por um tempo.

E os dias seguem... com a intenção do vir a ser.

07/04 – Olhei para ver como estava o vaso. No mesmo lugar. Aparentemente, sem nenhuma informação nova.

A expectativa do resultado, do broto, da materialização da ação. Reflito sobre a espera, a esperança de que terei o feijão. Coloco um pouquinho de água. Sem querer, me pego imaginando pequenas raízes brotando daquelas sementes. Outras indo para cima, num movimento lento e delicado.

Volto a pensar sobre a escolha do que se deseja. Como colher feijão se se planta milho? Quantas vezes na vida a indecisão me impede de colher o que desejo?

09/04 – Conferi se houve alguma evolução aparente no vaso... e não houve.

Continua a terra com aparência de que nada está acontecendo. E penso: quanto tempo ainda? Meu Deus do céu... vou levar quanto tempo para fazer o relato dessa experiência?

Volto aos pensamentos sobre talvez eu já ser uma vítima do imediatismo que estamos vivendo...

O lavrador, ou o agricultor, não fala pra semente: “Ô bonita, faz favor de acelerar o

processo, porque eu tô com pressa e preciso bater meta.” Ele espera o tempo dela. Que ela esteja pronta. Porque, se não, não terá um grão ou fruto formado.

Enquanto isso, o agricultor se prepara para quando ela estiver pronta para ele.

12/04 – Entre esses dias, algumas vezes pensei na semente, mas não fui olhar. Foram dias úmidos, e com certeza o vaso ainda estaria úmido.

13/04 – Nada aconteceu ainda.

Fui pesquisar na internet o tempo de brotação dos grãos de feijão, nas condições em que os meus estavam. E percebi que já havia passado do tempo da primeira brotação.

Resolvi olhar a semente — como estava. E realmente: nada havia acontecido. Fiquei pensando se aquelas sementes eram estéreis.

Afinal... minha experiência fracassou. Mas... fracassou comparado a quê?

É tão difícil escrever sobre fracasso. Parece que é tão mais fácil, tão mais bonito escrever sobre o sucesso. Sobre tudo o que deu certo — mesmo que no meio do processo tenha acontecido algo inesperado.

Mas é muito melhor escrever sobre o sucesso.

Aqui, relato uma experiência de algo que não deu certo. Foram alguns dias de expectativa, esperando pelo porvir — que não veio.

Fico a refletir se devo repetir. Se devo desistir.

O que é mais sábio? O que é mais benéfico: a desistência ou a insistência? Por fim, resolvo encerrar esse relato. Seguindo. Não refazer a experiência.

Terceira parte

O Tempo de Brotar

Tem dias em que as mãos coçam. Mas não é alergia, nem frio, nem falta do que fazer. É outra coisa — mais funda. Uma vontade de tocar, de transformar, de mexer no mundo como quem busca o fio solto de um novelo para puxar a vida de volta.

Eu sei bem o que é isso. A coceira não está só na pele: está na alma, que quer gestar alguma coisa, qualquer coisa — contanto que seja viva. Mas aí tropeçamos: há opções demais. Imagens demais. Cores demais. Tudo demais. E nada que nos retenha. Como decidir, afinal? Qual fio puxar?

Outro dia, tentei plantar feijão.

Não porque sonhava com uma plantação. Era mais um gesto, um símbolo, uma dessas experiências que o curso propõe — um exercício de escuta e intenção. O problema é que só havia milho em casa. E por mais que o milho seja ouro em grão, o que eu queria mesmo era feijão. Desejo tem dessas exigências.

Demorei três dias para entender: o incômodo não era sobre plantar ou não plantar — era sobre querer uma coisa e me ver diante de outra. Sobre quantas vezes na vida aceitei o que havia, mesmo sabendo o que desejava. Quantas vezes plantei milho e chorei por não colher feijão?

Então fui atrás. Comprei poucos grãos, plantei num vaso pequeno, cuidei com ternura. Água na medida, terra leve, esperança nos olhos. E esperei.

Esperei mais um pouco.

Esperei o suficiente para duvidar. Nada brotou.

Me perguntei se falhei. Será que a semente era estéreo? Será que eu me enganei? Será que o fracasso me escolheu mais uma vez?

Mas o que é, afinal, o fracasso?

Fiquei pensando na alma enfartada — essa imagem da professora Silvane. A alma pálida, sem sangue, sem gesto. Talvez o fracasso não seja a semente que não brota, mas o gesto que não chega a acontecer. A desistência antes do plantio. O medo de se frustrar que nos impede de tentar.

O gesto, mesmo falho, me gestou.

E no fim, mesmo sem broto, algo nasceu. Porque houve intenção, cuidado, presença. Porque me vi no espelho escuro da terra úmida, refletindo o tempo que a vida leva pra acontecer — se é que acontece.

Afinal, quem planta feijão, espera feijão. Mas às vezes, o feijão não vem. E talvez aí esteja o ensino maior: o gesto é a colheita da alma.

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*Patrícia Avancci é pesquisadora na Pós-Graduação Artes-Manuais para Terapias e o texto cartográfio é parte do exercício do Módulo Terceiro.

Diz Patrícia sobre si:

Eu acredito profundamente que nós, mulheres maduras, temos o direito de nos colocar em primeiro lugar, sem culpa. Eu sei como é fácil nos perdermos em meio a tantos papéis que desempenhamos, mas também sei que não precisamos viver assim. Minha missão é te mostrar que é possível superar as crenças que te limitam, como o medo de envelhecer, e te ajudar a planejar uma vida cheia de propósito e realização pelos próximos 40 anos. Juntas, podemos resgatar os sonhos que você deixou para trás e ativar o poder que está dentro de você, para que você possa florescer com força, leveza e alegria.

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