Artes-manuais e processos

ou o quanto aprendemos ao revirar o nosso baú de inacabados

As artes-manuais são processos

Me dei conta dos processos. As artes-manuais são processos. O produto final acaba sendo mera casualidade (pode ser mais do que isso, sei bem, mas o ponto aqui é outro).

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Abri meus baús. Encontrei meus processos parados há anos. O enxoval que comecei a bordar há 15 anos. O poncho começado há 8 (foto). A manta bordada em ponto cruz iniciada 6 anos atrás. O cachecol de três anos... muitas artesanias e muitos anos.

Desde pequena, fato certo, escuto: "Você é menina nota 10, por que fica tirando notas tão mais baixas?"

Foram processos necessários. Vou terminá-los ou desmanchá-los. Costurei um bordadinho. Desmanchei o cachecol. Coloquei a toalha meio bordada para ser usada. Voltei a manta para o colo para terminá-la. Mas me deparei com o poncho meio pronto. Meio. E não consegui desmanchá-lo. Tremi. Suei frio. E me veio à tona outro processo. O da garotinha nota 6,0/7,0.
 

Desde pequena, fato certo, escuto: "Você é menina nota 10, por que fica tirando notas tão mais baixas?" Sempre fui a que podia ser mais e não era. Sempre estudei pela metade. Assistia aula na porta. Dormia nas aulas e estudava em casa. Dormia em casa, pulava muro, dava estudadinha. Fazia trabalho pela metade. Caderno lindo no começo do ano. Caderno esquecido e perdido no fim.

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Assim, deparo-me com meu poncho 6,0. Percebem como ele é exatamente a nota 6? Passei da gola, tricotei pouco mais da metade e parei.

Deparo-me com Álvaro de Campos em Tabacaria. Poderia ser eu todo o potencial que outro dia mesmo vi guardado em pacotinho brilhante dentro de mim? Ou serei sempre o da mansarda, ainda que não more nela? Essa potência toda que carregamos se faz necessária? Existiremos plenamente sem que se dê pleno uso de todo o nosso 10 com louvor? Por que somos 6 quando podíamos ser 10?

Não sei o que será de mim, já "que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou"? Mas tenho a certeza, apenas imediata, de que não conseguirei desmanchar o poncho. Ou o termino ou o guardo para me lembrar desses meus processos tão intensos...

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Escrita-viva por Sofia Amorim discente na primeira turma da Pós-Graduação em Artes Manuais para a Educação. Fotos de Juliana Camargo, exceto o poncho em processo de Sofia Amorim.